Bravely Default II é um JRPG bem aguardado, exclusivo, e acabado de estrear para a Nintendo Switch. É o terceiro jogo da série, sendo que o titular Bravely Default e a sua sequela direta Bravely Second: End Layer, foram ambos lançados para a prévia geração portátil da Nintendo, a Nintendo 3DS.
A razão por detrás desta numeração pouco ortodoxa, deve-se principalmente ao desejo de distanciamento do título anterior. Segundo Tomoya Asano, produtor da série, Bravely Second não foi muito bem recebido pelos fãs, nem de encontro às expectativas dos mesmos.
Perante tal afirmação, não posso deixar de reparar na subjacente ironia no facto de Bravely Second ter satisfeito as minhas expectativas pessoais mais do que Bravely Default II o conseguiu fazer. No entanto, esta nova entrada na Switch continua a ser uma sólida representante do género e um jogo que vale bem a pena desfrutar.

Ser, ou não Ser Bravo, Eis a Questão
Antes de me debruçar sobre os aspetos de excelência deste jogo, e daqueles que ficam um pouco aquém desta – nomeada e respetivamente a direção artística aliada à retornada jogabilidade e a banalidade formulaica da narrativa – convém focar naquilo que faz de Bravely Default; bem… ser Bravely Default.
O jogo assenta numa base sólida de combate por turnos e progresso por níveis, fielmente demarcada aos clássicos Final Fantasy, sendo então adicionadas duas simples, mas sofisticadas e aprazíveis mecânicas: a de brave e a de default.
Para quem já jogou os anteriores títulos ou um dos demos deste novo, brave e default é algo já entranhado. Para os demais, basta sumariar que são duas ações a ser realizadas durante os combates. Default permite acumular turnos e brave gastar os turnos acumulados para se realizar várias ações de uma só vez. Sendo fáceis de explicar em poucas palavras, é evidente tratarem-se de mecânicas capazes de conduzir a estratégias verdadeiramente complexas.

Já com fidelidade aos clássicos, refiro-me ao retornar ao esquema de progressão por classes – Jobs, literalmente, trabalhos – e bipartição do ganho de pontos de experiência. No fim de cada combate, ganha-se experiência dita normal, que permite ir subindo de nível e melhorar os vários atributos e, à parte desta, JP ou Job Points que permite ir subindo nos níveis do Job equipado.
São os Jobs aquilo que definem as classes ou, por outras palavras, os pontos fortes e fracos e o papel desempenhado, quer em combate quer em exploração – além de conferir umas fatiotas a condizer, todas janotas!
Os primeiros Jobs obtidos são arquétipos tais como o freelancer (verdadeiro canivete suíço sem especialização), o white ou black mage (especialista em curar ou infligir dano, respetivamente), ou vanguard (típico cavaleiro andante armadurado até aos dentes). À medida que progredimos no jogo, e vamos colecionando os ditos asterisks, obtemos novas opções de Jobs, cada qual mais variada que a anterior e algumas com mecânicas com tanto de interessantes como intricadas.
Ainda dentro da matéria da jogabilidade, a periódica presença de um quinto elemento na equipa como suporte; acrescida à já complexidade advinda da variedade combinatória de Jobs, habilidades e equipamento; produz uma profundidade estratégica muito superior à inicialmente aparente. Ainda mais com a existência de habilidades especiais, desbloqueadas quando certas condições são satisfeitas e que, quando usadas, dão início a uma curta faixa musical própria e conferem bónus a toda a equipa durante a duração dessa mesma trilha sonora. Introduzindo assim, um curioso elemento time attack ou DPS em vez de DPT (dano por tempo e não apenas por turno).

Arte Bravely
Discutida a índole de Bravely Default II, já diz o adágio, nem só de jogabilidade vive um RPG. A arte deste é simplesmente soberba. Gráficos excelentes para a modesta Switch, e a tradicional fusão entre elementos tridimensionais com cenários bidimensionais é já um marco da série. As cidades, à semelhança com o que se passava nos jogos anteriores, são como que autênticos quadros pintados numa tela, nos quais, vicariamente através dos quatro heróis, temos o prazer de explorar. A possibilidade de uma vez mais poder reduzir o zoom e abarcar a beleza da ilustração na sua totalidade é uma mais-valia.
Já o exterior destas, no entanto, e ao contrário do que se passava nos antecessores, presenteia-nos com um overworld totalmente 3D, com movimentos de câmara incluídos – se bem que um pouco limitados. Os elementos informativos no ecrã, tais como indicações de teclas e mini-mapa, são quase todos customizáveis no sentido de os podermos incluir ou excluir (até aumentar no caso do mapa), mas teria sido bom existir a possibilidade de os poder remover a todos por completo para apreciar completamente o ambiente envolvente ou, por outro lado, existir um mini-mapa para as cidades e masmorras também.

Existe a transição entre dia e noite, se bem que ocorre com bastante frequência, e em que o nosso herói saca de uma lamparina para iluminar o caminho à sua frente. Os monstros de noite são também mais fortes e numerosos.
Pode-se ainda cortar relva com a espada, em busca dos ocasionais tesouros escondidos; se bem que, e ao contrário do que que se passa com os Zelda, em que nunca nos cansamos de quebrar jarros; aqui, fartámo-nos um pouco rápido demais. Ocasionalmente, ainda vamos pondo a descoberto um ou outro item quando o fazemos acidentalmente ao usar o golpe de espada para iniciar um combate com vantagem contra o inimigo. Isto porque os encontros aleatórios a que estamos habituados nos JRPG, foram inteiramente substituídos por inimigos errantes. Ao passo que nos jogos anteriores era possível customizar a frequência destes encontros, agora é necessário circundar os inimigos se queremos evitar combates, ou até tentar surpreendê-los pelas costas ou com um golpe de espada para iniciar o combate com vantagem. Felizmente, grupos de inimigos já fracos demais para fornecer experiência relevante, fogem assim que nos veem.
Apesar do ponto forte de Bravely Default ser sem dúvida a referida jogabilidade e beleza dos cenários, não se podia deixar de falar quer na sua composição musical de excelência quer na dobragem das vozes. A música, sempre adequada ao momento, infelizmente não é memorável o suficiente para permanecer entre os ouvidos quando pousamos a consola. Mas, pormenores como o volume desta diminuir de noite, ou o som dos cursos de água quando nos aproximamos, ajudam bastante à imersão.
Para fortalecer ainda mais esta imersão, todos os diálogos diretamente relacionados com a história estão eximiamente dobrados, tanto em Inglês como em Japonês. Para mais, como já habitual nos jogos anteriores, podem ser visualizados a qualquer momento a partir de um diário da aventura – em qualquer uma das línguas. As exceções a esta regra são as falas com habitantes aleatórios – estes convenientemente marcados com um balão de fala acima da cabeça – e as ocasionais conversas entre membros da equipa. Ao passo que a primeira é tolerável, a segunda seria preferível ter dobragem também.

História Default
Num RPG deste gabarito, seria de esperar que a história principal fosse mais que um amontoado de clichés reincidentes ao género. A ténue linha que muitas vezes existe entre o vilão e o herói, e que muitos jogos se atrevem a explorar, não se vislumbra em Bravely Default II.
Os heróis, são heróis porque o são. Porque querem salvar o mundo e para isso precisam reunir os quatro cristais mágicos. Os vilões, são vilões porque querem cometer vilanias e conquistar o mundo – é assim tao insípido em mais ocasiões do que devia – e para isso também precisam dos mesmos cristais. Os quatro heróis reúnem-se fortuitamente, o que – e principalmente no caso do suposto protagonista, que naufraga e vem dar à costa – deixa um trago mais de conformismo e complacência do que a conotações alegóricas ao destino.
É debatível se tal direção narrativa é propositada para suscitar nostalgia entre os de nós que já viveram os primordiais clássicos que transpiravam e viviam destas platitudes dicotómicas de bem contra o mal. De facto, certamente chegará a cumprir esse objetivo em alguns – eu inclusive. Porém, não posso deixar de sentir que uma sequela deste nível, merecia uma história mais subversiva do que a obra derivativa que acaba por ser. Mesmo se enraizada na prototípica e mecanizada luta do bem contra mal, com mais quatro MacGuffins à mistura.

Felizmente, nem tudo na história é mau. Pelo contrário, o jogo brilha narrativamente nas pequenas demandas e interações entre os quatro protagonistas. Principalmente no que toca ao inusitado mundano do seu dia-a-dia e às suas idiossincrasias perfeitamente evidenciadas, que inexoravelmente as torna num elemento pluridimensional face uma narração de outra forma unidimensional.
Talvez por isso, e sendo menos verdade no personagem supostamente principal, mas ainda assim acontecendo, os quatro heróis escolhidos pelos cristais mágicos chegam até nós como verosímeis. Não apenas pelos seus gostos e desgostos bem como maneirismos e trejeitos, mas também refletido nas fatias dos seus passados que nos vão sendo alimentadas ao longo do jogo. Algumas, abordando tópicos bem austeros e controversos, de certa forma destacando-os ainda mais da insípida história.
Se é menos que perfeita a tentativa de apresentar algo reminiscente à simplicidade da geração de JRPGs de outrora, o mesmo já não acontece com as animações. A caracterização gráfica dos personagens e monstros parece simples, mas quando posta sob escrutínio revela elevada qualidade e atenção ao detalhe. As cores e efeitos visuais são vibrantes, desde o aspeto da água até uma explosão de fogo ou gelo. Apesar de serem apenas esporádicas, as sequências cinemáticas – se é que se podem chamar assim – os movimentos e expressões dos personagens, mesmo quando apenas ao lado uma da outra enquanto conversam, tem tanto de caricato como delicioso.
O Reiventar dos Clássicos
Num género em constante reinvenção, em que mesmo series paradigmáticas como Final Fantasy procuram transpor as barreiras do convencional, encontra-se um certo conforto nostálgico em saber que ainda existem aqueles que procuram regressar, mas também elevar, elementos clássicos dos RPGs de outrora.
Em suma, este terceiro título na série procura-se distanciar dos predecessores e demarcar um novo capítulo na série. Obviamente, seguindo dentro da mesma temática, já de si sucessora espiritual aos primeiros Final Fantasy. E, se bem que a genericidade da história principal possa não agradar a todos os palatos, o carisma dos personagens e a minúcia e beleza artística, certamente o farão.
Além do mais, trata-se do primeiro – esperemos de muitos – Bravely Default numa consola portátil da última geração, que graças ao seu sistema único de combate – o brave e o default – justaposto a uma fórmula de progresso e customização intemporal – o sistema de Jobs – fazem deste um título que nenhum amante de JRPGs se deve dar ao luxo de deixar passar ao lado.
Sistema de progressão clássico
Mecânicas brave e default originais
Arte audiovisual e dobragem de qualidade
Registro e glossário de todos os inimigos, itens e eventos
Experiência de jogabilidade bastante personalizável
História simples e prosaica
Não tira proveito do ecrã tátil nem dos controles de movimento da Switch
Experiência online quase inexistente
Data de Lançamento: 26/02/2021
Produtora: Claytechworks
Editora: Nintendo
Género: RPG
Plataformas: Nintendo Switch
Foi disponibilizado um código para análise por parte da Nintendo Portugal.